sexta-feira, março 09, 2007

Entrevista com António José Ramos de Oliveira, Bibliotecário da Biblioteca Municipal da Guarda, ao jornal “A Guarda”

A nova Biblioteca Municipal vai “provocar um grande impacto na cidade”

António José Ramos de Oliveira, natural da Coimbra, está na Guarda há vários anos, onde desempenha a função de Técnico Superior de Biblioteca e Documentação da Biblioteca Municipal da Guarda. Em entrevista ao Jornal A Guarda, António Oliveira dá a conhecer alguns aspectos interessantes relacionados com um espaço cultural prestes a mudar para a nova casa, na Quinta do Alarcão.


A Guarda: Quem é António Oliveira?

António Oliveira: É o Técnico Superior de Biblioteca e Documentação da Biblioteca Municipal da Guarda. Tem como função a gestão desse espaço.

Por outro lado define-se como uma pessoa que gosta de ler, conhecer outros povos, ver cinema e estar perto do mar.

A Guarda: Como apareceu a sua ligação à Guarda?

António Oliveira: Acabado o Curso de Especialização em Ciências Documentais e após auscultação do mercado de trabalho, surgiu a oportunidade de emprego na cidade da Guarda. Na altura, entre a possibilidade de optar pelas Bibliotecas do Instituto Politécnico da Guarda ou da Câmara Municipal, optei pela última uma vez que me fascina mais o universo da Leitura Pública.

A Guarda: A Biblioteca é uma paixão ou uma obrigação?

António Oliveira: É uma paixão. Desde pequenino que tive contacto com os livros e com as Bibliotecas.

Era frequentador assíduo das bibliotecas nas escolas, recordo-me perfeitamente do cantinho dos livros na escola primária e, fora disso, de frequentar a Biblioteca Fixa da Gulbenkian em Soure e a velhinha Itinerante. Ainda hoje mantenho esse gosto.

A Guarda: No seu ponto de vista como é que os cidadãos, em geral, olham para a Biblioteca Municipal?

António Oliveira: O actual edifício, inaugurado em 1987, registou grande impacto na cidade uma vez que a Guarda passava a dispor de uma biblioteca moderna. Como é natural, com o passar dos anos, a imagem da biblioteca vai sofrendo alterações. De qualquer modo, com a breve inauguração da Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, tenho a certeza que os cidadãos vão passar a olhar mais para a biblioteca.

A Guarda: Considera que a Biblioteca Municipal da Guarda está bem inserida na vida social da cidade?

António Oliveira: Penso que sim embora já se encontre algo ultrapassada. Esta questão será resolvida com a nova Biblioteca uma vez que esta irá dispor de todos os serviços modernos no âmbito do livro e da leitura.

A Guarda: Qual o balanço que faz das actividades realizadas pela Biblioteca Municipal ao longo dos últimos anos?

António Oliveira: Nos últimos anos a biblioteca registou uma significativa melhoria ao nível da oferta dos seus serviços. Para além do aumento do Fundo Documental passámos a dispor de acesso à Internet, serviço de fotocopiadora, apoio a bibliotecas escolares e uma animação regular no âmbito da leitura. Talvez tenha sido este último facto o mais importante.

A Guarda: Quais as actividades programadas para este ano?

António Oliveira: Uma vez que estamos numa fase de pré-instalação da nova biblioteca, o processo normal de programação sofreu alterações. Por esse motivo não podemos ainda dispor desses dados, mas devido às novas condições do edifício a animação terá um novo incremento.

A Guarda: Admite que a Biblioteca Itinerante possa acabar, tendo em conta a redução do número de alunos e o fecho de escolas nas freguesias rurais?

António Oliveira: Este ano deparámo-nos com o fecho de algumas escolas primárias. Prevê-se que para o ano tal volte a acontecer. Por esse motivo já reformulámos o trajecto da biblioteca Itinerante. No entanto não me parece que este serviço possa encerrar mas sim sofrer alterações. Por exemplo poderemos, passando mais tempo em cada escola, realizar actividades de animação no local ou, considerando o envelhecimento das populações e o aumento dos utentes dos Centros de Dia, passar a oferecer o nosso serviço a essas instituições.

A Guarda: Considera que a Biblioteca Itinerante ainda continua a ser um meio privilegiado para muitos alunos contactarem com os livros?

António Oliveira: Penso que sim uma vez que, se nos centros urbanos, e nem todos, o acesso ao livro está bastante facilitado, através de oferta de, por exemplo, bibliotecas e livrarias, a realidade de quem vive nas freguesias rurais é outra.

Como tal a Biblioteca Itinerante constitui um meio privilegiado de as crianças terem um contacto com os livros.

A Guarda: A nova Biblioteca Municipal vai ser uma realidade a curto prazo. Como avalia a mudança para o novo equipamento?

António Oliveira: Vai, com certeza, provocar um grande impacto na cidade. Não tenho dúvidas uma vez que tal aconteceu em todos os caso similares. Recorde-se que vai oferecer serviços, para adultos e crianças, no âmbito do livro e da leitura, da animação, dos meios audiovisuais, das novas tecnologias, etc.

A Guarda: Considera que o projecto está devidamente adaptado à realidade actual?

António Oliveira: Penso que sim, até porque foi feito em parceria com o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas e, como tal, obedece a todas as directrizes a um espaço com múltiplas ofertas deste sector cultural. Aliás, sinónimo de que tem acompanhado a evolução dos tempos, vai dispor algo que não estava previsto quando se iniciou o processo: o acesso à Internet sem fios para qualquer utilizador que o solicite.

A Guarda: De que forma é que a nova Biblioteca pode atrair novos leitores?

António Oliveira: Desde logo com a sua sala polivalente para animação, com o seu pequeno café, com a sua salinha da Hora do Conto que se pode isolar do resto da Sala Infantil, com a Sala de Leitura para adultos e crianças com toda a oferta do livro e das novas tecnologias, com uma biblioteca toda informatizada e com uma animação regular e de qualidade.

Por outro lado o seu espaço verde envolvente será também uma mais valia porque, para além do ambiente agradável de leitura ou acesso à internet sem fios, disporá também de um auditório ao ar livre. Por outro lado, com novas formas de animação, dentro e fora do edifício, poderão ser conquistados novos públicos.

A Guarda: O nome Eduardo Lourenço foi bem escolhido?

António Oliveira: Foi, porque é o escritor, do nosso distrito, mais importante actualmente.Na área dos grandes ensaístas portugueses, é-lhe considerada uma aproximação a António Sérgio, devido ao seu rigor crítico e à sua elegância incisiva do estilo. Como tal o nome para a nova biblioteca foi bem escolhida

Fonte: Jornal a Guarda - 8-3-007

segunda-feira, março 05, 2007

Diário do Director da Biblioteca e Arquivo Nacional Iraquiana, Saad Eskander. Janeiro e Fevereiro (até dia 12).


Em finais de Dezembro afixei um post, com o diário (por mim traduzido) do Director da Biblioteca e Arquivo Nacional Iraquiana (INLA), Saad Eskander. O Director tem cedido o seu diário à British Library que o tem publicado regularmente.

Relativamente ao mês de Janeiro não vou realizar uma tradução integral das passagens do Diário mas vou citar e resumir alguns momento mais relevantes:


O ambiente geral terror, raptos, destruição, assassínios, etc, manteve-se no novo ano de 2007. Mesmo na semana sagrada do Eid (1 a 6 de Janeiro) o clima geral de violência e destruição não acalmou.

No dia 9 de Janeiro as tropas americanas e a Guarda Civil iraquiana resolveram tentar ‘limpar’ a Rua de Haifa, junto à qual se encontra Biblioteca e Arquivo Nacional Iraquiana (INLA), de grupos de terroristas. Todos o pessoal da INLA teve de ser evacuado de emergência e a Biblioteca esteve encerrada até dia 13 de Dezembro, abrindo a 14. Encerrou de novo a 18, devido a bombardeamentos na área.

Dia 20 o irmão de uma funcionária da biblioteca foi assassinado por um sniper. Dia 23 dois técnicos foram raptados e depois libertados (sem ferimentos). Um irmão e um primo do coordenador da secção de restauro foram assassinados. Um irmão e pai de um outro funcionário foram feridos. Dia 25 o supervisor do “Baghdad memory Project” perdeu o filho.

Dia 23 novo ataque tropas americanas e da Guarda Civil iraquiana à Rua de Haifa e novo evacuação da INLA de emergência. Ao longo do mês muitos funcionários e bibliotecários receberam ameaças de morte com o objectivo de abandonarem as suas casas; e na zona envolvente da INLA sucederam-se muitos tiroteios e bombardeamentos.



Entretanto o brasileiro "Globo Online" traduziu passagens do Diário relativas a Fevereiro (dia 3 a dia 12), com uma introdução inicial:

"Saad Eskander é diretor da Biblioteca Nacional do Iraque, em Bagdá, mas nem sempre está ocupado pondo ordem em arquivos e catalogando documentos. Este curdo-xiita, de 44 anos, dedica boa parte de seu tempo esquivando-se das explosões que assolam diariamente a capital iraquiana e tentando evitar que o seqüestrem — enquanto ainda tenta driblar as constantes faltas de luz em sua biblioteca ou assegurar que, durante pelo menos uma hora por dia, tenha conexão à internet.

Graças à rede, Eskander envia, desde Dezembro de 2006, um relato diário sobre a situação do Iraque à Biblioteca Britânica, em Londres, que pode ser lido por meio do endereço: www.bl.uk/iraqdiary.html.

Com uma linguagem simples, o bibliotecário em seu blog descreve com a mesma serenidade o horror dos ataques, a visita a um ministro ou suas conversas com familiares.

A biblioteca que dirige foi saqueada e queimada por iraquianos logo depois da invasão americana, em 2003. Cerca de 60% do acervo, 95% dos livros raros, foram levados ou destruídos. Desde então, Eskander gerencia o que sobrou dela e tenta reconstruí-la, com a ajuda da Biblioteca Britânica. Apesar de tudo, Eskander diz que quer ficar no Iraque.

— Creio no futuro democrático deste país. Se formos embora, ganha a violência — afirma, numa entrevista ao “El País” pelo telefone.

A seguir, relatos da vida de Eskander sobre alguns dias do mês de fevereiro:

Sábado, dia 3 de Fevereiro: “Um dia sangrento, um dos mais sangrentos já ocorridos em Bagdá. Um caminhão explodiu num mercado, matando mais de 150 pessoas. Um funcionário da biblioteca ficou ferido, o outro perdeu um primo.”

Domingo, Dia 4: “Outro dia ruim. Uma explosão do lado de fora fez tremer nosso edifício. Ficamos presos aqui por horas. Quando saímos, vimos uma carnificina e alguns carros completamente destruídos.”

Segunda, Dia 5: “A luz está sendo cortada a todo o momento. Fui ao Ministério da Energia tentar persuadi-los a deixar a Biblioteca Nacional de fora do programa de cortes (que estabelece um máximo de entre duas e três horas de eletricidade por dia). Meu pedido foi negado pelo ministro. Agora não me resta nada a fazer, senão pressionar o Ministério da Cultura para que consertem nosso gerador. No meio da manhã, soube que o irmão do senhor K. (do departamento de catalogação) morreu. Às 14h, um grupo de homens atacou o bairro onde vivo. Muitos mortos, feridos, civis, inocentes... Depois, fui visitar um primo meu, ferido num ataque há duas semanas. Foi um dia triste.”

Terça, Dia 6: “Nenhuma explosão nem disparos. Repassei a lista dos funcionários ausentes da biblioteca e me dei conta de que o senhor M. está desparecido desde a explosão de sábado. Recebi a visita de um conhecido ator, que queria que alugássemos nosso teatro para um filme. Prometi ceder-lhe o espaço de graça porque estamos de acordo que é preciso continuar promovendo atividades culturais du$os tempos difíceis.”

Quarta, Dia 7: “Ainda sem notícias do senhor M. Começamos a achar que ele morreu no atentado de sábado e ninguém achou seu corpo.”

Quinta, Dia 8: “Dois funcionários nossos (um xiita e um sunita) se ofereceram-se para procurar o senhor M. na área do mercado bombardeado. Disse que não, que era perigoso, mas eles foram mesmo assim. Uma hora depois, a senhora B. entra em meu escritório, chorando muito. Homens armados seqüestraram nosso funcionário xiita, libertaram o sunita quando $sua etnia. Mais tarde, o corpo do xiita foi encontrado num beco. À noite, meu irmão me ligou de Londres para saber como andam as coisas. Ele mostra-se otimista em relação ao novo plano de segurança para Bagdá, crê que trata-se da última oportunidade para nós. Se não funcionar, me diz ele, será o fim de um país e a escalada de uma guerra civil sem precedentes.”

Sábado, Dia 10: “O ser humano não é perfeito. Não há mais notícias sobre a execução do bibliotecário nem do senhor M. Decido formar um comitê para investigar o caso. Me dou conta que, hoje em dia, em Bagdá, o ser humano perfeito seria aquele capaz de desconectar todos os seus sentidos. Ser cego e surdo não seria uma maldição neste país, e sim uma bênção.”

Domingo, Dia 11: “O trânsito está caótico, muitos guardas americanos e iraquianos nas ruas, que levantaram vários postos de controle e fecharam as principais ruas da cidade. O senhor M. reapareceu, mas não deu nenhuma explicação sobre onde esteve. A senhora M. ligou para dizer que não vem trabalhar hoje porque uma bala perdida matou sua filha. O marido dela e dois outros filhos haviam sido seqüestrados duas semanas atrás, mas foram libertados.”

Segunda, Dia 12: “Antes levava quatro minutos para ir da minha casa ao escritório. Agora, levo entre 20 e 25 minutos por causa do excesso de postos de controle, fechamento de ruas e atentados terroristas. Para chegar ao escritório, passo por quatro postos de checagem. Bagdá se parece cada vez mais com um quartel. Uma outra funcionária pede demissão, dizendo que deixará Bagdá com sua família e se mudará para o sul. Desejo-lhe boa sorte. Meu irmão me liga de novo de Londres, me sinto culpado pela dor e pela ansiedade que minha decisão de permanecer em Bagdá provoca nele e em minha irmã, que vivem no exterior. Todos os dias eles me suplicam para que eu saia daqui.”




Autoria do quadro: Saad Eskander