sábado, janeiro 13, 2007

Diário do Director da Biblioteca e Arquivo Nacional do Iraque.

Este post é dedicado a um senhor que pretende erguer uma das bibliotecas de maior orçamento na história nos Estados Unidos e contratar centenas de académicos para reescreveram a (sua) História. E também à sua esposa que se toma por vezes como a rainha do Sabá.

Nota: O sr. G.W. Bush no fatídico dia 11 de Setembro asseverou que iria vingar o perecimento das 2974 pessoas em Nova Iorque. superou esse número ao cobrar a vida de, pelo menos, mais de 3000 soldados americanos no Iraque.
Da meia centena de passageiros sobreviventes à travessia do pioneiro Mayflower seis são ascendentes do sr. Bush, outros sete seus familiares morreram durante a viagem. Isto foi em 1620 e G. W. Bush faz questão de recordar nas celebrações anuais do Mayflower esse episódio. Os do clã dele afiguram-se os altíssimos, já os outros americanos continuam a ser “carne para canhão”.

Traduzi as Últimas entradas do diário de Saad Eskander, Director da Biblioteca e Arquivo Nacional do Iraque.

Sábado, 11 de Novembro de 2006

Saí de Roma para Amã, e no dia seguinte cheguei ao aeroporto internacional de Bagdade. É bem sabido que a estrada, que liga o aeroporto à cidade de Bagdade, é a estrada a mais perigosa no mundo.

Por uma razão da segurança, eu pedi ao taxista que parasse no primeiro ponto de verificação militar, que está a 3 minutos de carro do aeroporto. Não se pode nem deve confiar em quase ninguém, sobretudo taxistas do aeroporto. Mas no ponto de verificação a polícia mandou-me avançar pois suspeitavam de um carro abandonado no local. Segui então no táxi. A estrada estava num estado caótico pois todos tentavam deixar a área do aeroporto, incluindo os polícias e os soldados, que não hesitavam em apontar as suas armas na nossa direcção, quando nosso carro retardou a marcha, a fim de permitir que seus carros passassem.

Eu disse ao taxista para seguir directo para o meu escritório. Minutos depois de deixarmos a via rápida, dois terroristas bombardearam um ponto de verificação da polícia no distrito próximo de al-Yarmook-Yarmook, matando 60 pessoas e ferindo 90 outras. Decidimos seguir outro percurso via o distrito do al-Karradah-Karradah. Logo que entrámos neste distrito dois carros-bombas explodiram matando e ferindo muitos civis. Decidi então não me dirigir ao meu escritório, porque as outras estradas principais também eram extremamente perigosas. Na verdade, no mesmo dia e na área muito concorrida de al-Sa’adun-Sa’adun, mais dois carros-bombas explodiram, matando e ferindo muitas pessoas. Era um sinal de boas-vindas e um regresso à realidade!


Segunda-feira, 13 de Novembro

Neste dia assim que cheguei ao meu escritório recebi logo más notícias. Na minha ausência (9 a 11 de Novembro), o INLA (Iraq National Library and Archive) foi bombardeado duas vezes e muitos vidros das janelas estavam partidos. Felizmente, ninguém foi ferido. Durante o resto da semana tentei aconselhar muitos dos meus funcionários como agirem no dia-a-dia, em face de eles terem recebido ameaças de morte. Nos bairros dominados por xiitas, os sunitas receberam um ultimatum para abandonarem os bairros e vice-versa.

Na minha ausência dois funcionários foram assassinados, um trabalhava no departamento de informática, e o segundo era um guarda. Três dos nossos taxistas, que trabalhavam para nós a contrato, foram assassinados e três outros foram feridos.


Terça-feira, 20 de Novembro

Este foi o meu pior dia do ano.

Assim que meu carro chegou ao edifício principal, ouvi duas grandes explosões. Os extremistas sunitas bombardearam com morteiros a cidade médica e o ministério da saúde. Ambos os edifícios estão a 200 metros da nossa instituição Ouvi uma outra explosão 50 minutos mais tarde. A troca do fogo continuou por uma hora e trinta minutos. O Ministério da Educação foi atacado a semana passada e cerca de 100 dos funcionários foram levados como reféns.

Nadia, uma bibliotecária que trabalha no departamento de informática, não veio hoje trabalhar. Foi-me dito que seu pai foi atingido por uma bala num pé. Eu percorri alguns dos departamentos e falei à minha equipe de funcionários com o intuito de elevar a sua moral.

Às 11 horas recebi uma notícia devastadora. Fui informado que Ali Salih foi assassinado na frente de sua irmã mais nova. Ali era um homem novo brilhante. Eu mandei-o a Florença para receber mais formação em web-design. De volta ele a Nadia começaram a construir e gerir nosso website oficial. Era ele o símbolo da modernização e do processo da reforma da INLA. Eu empreguei-o em Janeiro 2004, como muitos outros novos bibliotecários e arquivistas. Foi um dia muito triste. Todos os outros funcionários ficaram muito consternados e abatidos.

Antes de sair, realizei uma reunião com os chefes de todos os departamentos. Sugeri que para razões da segurança devemos dividir a equipa de funcionários em três grupos. Cada grupo trabalharia somente durante dois dias e que as salas principais da leitura do arquivo e da biblioteca devem, como usualmente, permanecer abertas aos estudantes e investigadores da universidade. Todos concordaram com a minha decisão. Alguns aproveitaram para me aconselhar a sair do país mal pudesse pois tornava-se cada vez perigosa a minha permanência.

Retornei a casa muito deprimido. Abracei o meu filho de 6 messes e lembrei-me que Ali deixou dois filhos, um de seis meses e outros de 3 anos.

Domingo, 10 de Dezembro

A INLA reabriu como planeado. Alguns dos funcionários não puderam comparecer pois as estradas foram bloqueadas pelo exército e pelas forças americanas.

Na terça-feira encontrei-me com o empresário que irá renovar partes do edifício. Concordámos que cada operário teria uma identificação própria para mostrar aos guardas na entrada.

Na quarta-feira tive mais más notícias. Um grupo terrorista atacou a casa de um dos meus funcionários. Ele e um dos filhos foram feridos, enquanto que o outro filho, um médico, foi morto. No mesmo dia encontrei os irmãos de Ali. Disseram-me que Ali resistiu ao grupo de 4 homens que o queriam matar. Conseguiu derrubar dois, mas um atingiu-o com uma arma de fogo numa perna, e de seguida na cabeça, estômago e pescoço. Ali foi deixado na rua a morrer. Nessa manhã a rua até estava muito movimentada, mas ninguém ousou intervir por medo. É muito provável que os assassinos sejam membros de uma das milícias que se introduziram nas forças de segurança.

O nosso maior perigo agora são os snipers. Na Quinta resolvemos mudar o nosso itinerário, como medida de prevenção. Mal chegamos à área de al-Sinak, soubemos que um grupo de terroristas tinha acabado de raptar 40 pessoas. A polícia e os guardas de diversos edifícios governamentais que presenciaram o facto recusaram-se a intervir e os terroristas abandonaram o local sem grandes pressas.


Semana de 16 a 21 Dezembro

A segurança está a deteriorar-se progressivamente na nossa zona. De tempos a tempos diferentes grupos armados atacam civis, casas e edifícios do governo. A maior parte das estradas estão bloqueadas.


Semana de 23 a 28 Dezembro

Mais uma má semana para a INLA

No Domingo soube que Ahmed Salih, um funcionário da biblioteca, que em breve ia deixar Bagdad, foi assassinado na sua casa por terroristas. Estava noivo desde há 2 semanas.

Na Segunda-feira, recebi mais más noticias. O irmão mais velho de Maiadah, que trabalha no Departamento dos Periódicos, foi assassinado por terroristas.

Estamos em época de festividades religiosas e a segurança é pior que nunca. Temos quatro cristãos na nossa instituição. Os dois primeiros, 'A' e 'B', trabalham no Arquivo, o terceiro na Biblioteca e o quarto, 'D' no meu gabinete. Dei-lhes 5 dias de folga para celebrarem o Natal. 'D' apenas usou um. Ela continuou a aparecer mesmo com as estradas cortadas. Aconselhei-a a cobrir a cabeça, quando passasse por áreas perigosas (isto é, controladas por milícias e gangues armados). Ela disse que usava o Hijab há algum tempo para esconder a sua identidade cristã.

Nas ruas de Bagdad, mesmo em frente dos ministérios, sucedem-se tiroteios entre grupos terroristas e os guardas governamentais.

1 comentário:

Anónimo disse...

intiresno muito, obrigado